Discurso filosófico da acumulação primitiva

O conceito de uma ciência eficaz, baseada na evidência dos experimentos; a utopia político-filosófica e o Estado administrativamente capaz; a noção de sociedade civil e a funcionalidade da economia baseada no benefício próprio. Tais ideias, ainda hoje fundamentais para a compreensão da sociedade capitalista, foram formuladas pela primeira vez no período particularmente brutal da “assim chamada acumulação primitiva de capital”: as origens da modernidade. Os pioneiros que então as propuseram, longe de serem pensadores profissionais, eram membros bastante ativos da elite político-econômica: cortesãos habilidosos, aristocratas favorecidos, representantes eleitos das classes proprietárias, inimigos ferrenhos das rebeliões populares.

Discurso filosófico da acumulação primitiva, de Pedro Rocha de Oliveira, vai no caminho contrário: propõe uma “leitura a contrapelo” das obras de autores paradigmáticos, visando desrecalcar o conteúdo histórico, econômico e social de seu pensamento, mostrando a incômoda continuidade que existe entre a mais alta imaginação moderna e a violência do processo civilizatório capitalista. Trata-se de uma análise detalhada de textos-chave de Francis Bacon, Thomas More e Thomas Smith, homens do “longo século XVI”, buscando reconstruir passo a passo a lógica de suas exposições, ao mesmo tempo permitindo que os acontecimentos e a atmosfera de seu contexto histórico se insinuem entre os argumentos, de modo que possam ser compreendidos em sua densidade real. Para tanto, são mobilizados documentos de época, bem como explanações a respeito do funcionamento da sociedade na qual os autores viveram. Indaga-se qual o significado dos textos para os leitores que lhes eram contemporâneos, não só numa perspectiva cognitiva, mas do ponto de vista das implicações políticas neles contidas. Este não se trata, portanto, de um trabalho de história da filosofia, mas de uma tentativa de convocar a filosofia, a história, a sociologia e a economia política a contribuírem para o entendimento do período da “acumulação primitiva”, permitindo, assim, um vislumbre dos fundamentos da socialização capitalista.

Nas palavras de Paulo Arantes, “Ao estudar o Renascimento inglês, Pedro Rocha de Oliveira escancarou um fato extremamente atual: o de que a modernidade — que se confunde com o capitalismo, a acumulação primitiva e o progresso — é uma engrenagem que obrigatoriamente precisa de uma população periférica, externa ou interna, que é descartável, isto é, matável. O “populacho” está fora do acordo oligárquico que define uma democracia — que pertence aos experts, aos proprietários, os quais detêm o monopólio da racionalidade. Todas as nações do mundo fizeram isso, desde o início: Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Itália etc. O Brasil também, claro, desde sempre, porque esse é o regime da Colônia, ou seja, o conjunto da população matável administrada de fora por uma metrópole. Depois, a metrópole é interiorizada, com os mesmos objetivos. Por isso é que até hoje se mata nos campos e nas periferias deste país, impunemente.”

Fonte: página eletrônica da editora Elefante

Ficha técnica
Título: Discurso filosófico da acumulação primitiva: estudo sobre as origens do pensamento moderno
Autoria: Pedro Rocha de Oliveira
Editora: Elefante
Ano de publicação: 2024
Páginas: 504
Preço: R$ 110,00

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